sexta-feira, 25 de abril de 2008

Sobre sonhos, fotos, medos e memórias















Outro dia tive um sonho.
Sonhei que estava velhinha.
Sentava-me no alto de uma montanha e tentava ver o infinito.

Mas os olhos não conseguiam enxergar direito. Estavam gastos, cansados. Porém em paz. Tentavam olhar por trás das costas, mas tudo estava tão longe, tão distante, que pessoas, cenas, lugares, sentimentos, sensações, gestos e objetos se misturavam. Estavam sem foco, pareciam incertos e incompletos.

E voltava-me à frente. Mas o futuro, via-o tão pequenino, tão miúdo, que embaçava-me a vista e confundia-me.

Mas era dos lados que a vista clareava.
Do lado de cá, o direito, via pessoas, cenas, lugares aos quais meu sengue e afeição me ligavam.
Da banda de lá, em esquerda conexão, via uma fogueira e pessoas ao redor. Sentadas no chão, e tão intensamente conectadas que me deu um calafrio.

Fiquei um tempão a observar - a duração de um quase-infinito - e a conexão não se desfazia. E me deu um medo. Medo de perder na memória o significado daquele momento.

Mas depois do medo, veio uma sensação boa. Porque me lembrei que guardava fotografias. E nelas podia resgatar a magia e a poesia do infinito de cada momento.

Corpo


Tô percebendo como nunca que cada coisa tem seu tempo.
Principalmente nosso corpo.
Um tempo muito diferente do da cidade, da rua, do trabalho, dos amigos, da família.
Um tempo que você vai percebendo aos pouquinhos, e tem que se deixar levar por ele.

Tempo que demora, que passa devagar.

Psiu, ouve teu corpo.
Ele só pede um pouco mais de calma.
Um pouco mais de alma.

FRAG.MIM.TOS























Sou em ti,
aos poucos.

Tens-me desvinculada
inacabada
evanescente

Vês-me pedaços desconexos
vazios que permanecem

Frágeis minutos
em que sou parte
(des)presente

Mas vejo frações de mim
no todo de ti
e fissuras de ti
que são em mim

Sou-te em frag.mim.tos
És-me geometricamente
lasca e cor

Silenciosamente
vamos-sendo
o fluido-eu
no cubismo teu

quarta-feira, 23 de abril de 2008

No meio do caminho tinha uma árvore









Às vezes uma única pedra que aparece no meio do caminho e muda todos os seus planos.

Você faz planos de viagem, de trabalho, de compras, de vida, de carreira, de estudos, de passeios; quer ir ao teatro, ao show do Leo Maia, na virada cultural, na corrida do GRAAC, no acampamento escoteiro, na Serra da Bocaina, no sarau literário, no curso de teatro, na oficina de contos...

E aí tem aquela maldita árvore que aparece na sua frente e estraga tudo.


É, no meu caso foi uma árvore, não foi uma pedra.


E ela mudou aquele destino que eu tinha todo desenhadinho na minha mente, com horários e locais definidos, tudo anotadinho na agenda. Certinho, milimetricamente detalhado até o final do ano.


A árvore derrubou todas as certezas, tudo que parecia perfeito e intocável. O trabalho, as viagens, os passeios, o teatro, o cinema, os namoricos...


É engraçado. Você finalmente atinge aquela harmonia e paz que espera a vida toda. Tudo caminhando para a frente, no maior sossego. De repente, sem que você espere, vem algo na contra mão, bate e arrebenta tudo.


Só para te testar.

A árvore veio e me derrubou. Segurei no ombro de um e de outro, levantei-me. Voltei para o início do caminho.

As férias forçadas não me incomodam. Porque ando de muletas, mas ando.

Voltar ao início me permite rever todo o caminho.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Migalhas













VAZIO

A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo —
Restam somente as casas,
Os bondes, os automóveis, as pessoas,
Os fios telegráficos estendidos,
No céu os anúncios luminosos.

A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo —
Restam somente os homens,
Pequeninos, apressados, egoístas e inúteis.
Resta a vida que é preciso viver.
Resta a volúpia que é preciso matar.
Resta a necessidade de poesia, que é preciso contentar.

(Augusto Frederico Schmidt)

segunda-feira, 14 de abril de 2008

O chão e eu
















Tem gente que caminha com os pés no ar,
em passos de vento
Não olham para baixo,
apenas rasgam o céu

Eu preciso pisar o chão
prá sentir que cheguei
Andar, sentar, deitar
grama, terra, concreto,
prá sentir que fiquei,
que estou
que sou


terça-feira, 8 de abril de 2008

Só prá avisar...


UMA REDE UMA RODA


se saio na rua
não levo guarda chuva
não levo destino
quero um susto

se caio na tua
não quero guardanapos
não quero certeza
trago uma rede
e uma roda

(Chacal)

segunda-feira, 7 de abril de 2008

EVANESCÊNCIA
















Sai sutilmente pelas frestas da caixinha
a fumaça.

Um fio único,
que em linhas outras se multiplica.
Cada uma em si e por si
dançam seus contornos e se esvaecem pelo ar
Desenham seus caminhos-curva
em fios de seda que o vento embala

Imagens-segundo de uma dança que evapora.

Observo
E deixo-me levar
para cima, para os lados,
em círculos, caracóis, espirais,
para dentro

Em visível perfume,
contornos de pensamentos
imagens-idéias
efêmeras linhas que paralizam
hipnotizam

Observar o aroma que dança
evapora a mente