quarta-feira, 22 de setembro de 2010

No fim


tudo é muito mais simples do que parece
o céu, o sol
a lua, as estrelas
o próprio chão
as palavras


domingo, 19 de setembro de 2010

Domingo


visto-me de palavras
para cheirar a cor da manhã
perfumo-me das imagens
que umedecem a tímida voz do dia
cinzento silênciar de andorinhas
líquido caminhar
passarinhar
pelo amanhecer


Noar

o momento é de flutuações

eu flutuo
tu flutuas
nós flutuamos

O Vendedor de Soluços


Sou um vendedor de soluços.
Tudo o que carrego comigo está à venda. O caminho que eu tomo é imprevisível e imperdoável.
Os produtos que carrego são a causa dos sons precisos - precisados - para chegar onde há o limite.
A repetiçào está à venda.

sábado, 18 de setembro de 2010

Soberania

Foto by Mario Pedroni

"Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que
tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo
do vento escorregava muito e eu não consegui
pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso
carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos
deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado
e disse que eu tivera um vareio da imaginação.
Mas que esses vareios acabariam com os estudos.
E me mandou estudar em livros. Eu vim. E logo li
alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio.
E dei de estudar pra frente. Aprendi a teoria
das idéias e da razão pura. Especulei filósofos
e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande
saber. Achei que os eruditos nas suas altas
abstrações se esqueciam das coisas simples da
terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo
— o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase:
A imaginação é mais importante do que o saber.
Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei
um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu
olho começou a ver de novo as pobres coisas do
chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E
meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam
o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no
corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas
podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as
próprias asas. E vi que o homem não tem soberania
nem pra ser um bentevi."

(MANOEL de BARROS, "Memórias Inventadas - A Terceira Infância")