segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Horizonte Invisível












“Cada cidade recebe a forma do deserto a que se opõe”
(Ítalo Calvino, Cidades Invisíveis)

Há apenas duas maneiras de se chegar a São Paulo: por terra ou pelo ar. Não importa qual delas o viajante escolha, a primeira e a última impressão que terá da cidade serão as mesmas.

Quem chega por terra, por uma das estradas vindas do interior, depois de cruzar inúmeras paisagens verdejantes, vê despontar no horizonte, logo depois de uma curva, e por detrás de um monte, uma massa descolorida e disforme, fluida como um grande lago, que aos poucos se vai transmutando em formas verticais e retangulares. Avista-se na proximidade cidade de linhas retas, em que o curvilíneo não aparece, e o verticalismo suplanta a forma do horizonte, até eliminá-lo por completo.

Já o viajante que vem por cima, surpreende-se logo de início com a deformidade das formas. A geografia de São Paulo que se distingue do céu é como uma enorme represa que vai inundando desordenadamente os limites do visível. Por entre morros, veias e estradas, espalha-se o lago cinzento que se perde de vista até se fundir com o horizonte. Percebe-se a desordem e a desorganização em figuras a princípio irreconhecíveis. Tudo é cinza, escuro, incolor. Até que se vai descendo lentamente, e logo o horizonte se esconde por detrás da imobilidade das construções verticais que parecem brotar do chão.

Por cima ou por baixo, chega-se à cidade sólida que se avista de longe como um imenso mar. De perto, o espaço inalcançável de seu horizonte vertical, no qual a vista se perde, sem poder se fixar a um ponto particular.

Cidade que se suspende e se alonga em vértice, onde sonhos, desejos e medos se fundem em um emaranhado de formas e cores desconexas.

“As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam uma outra coisa”
(Ítalo Calvino.
Cidades Invisíveis)


Um comentário:

Simone Couto disse...

tão lindo, Pri, adorei como usou Ítalo Calvino para ilustrar teu texto.

Saudades de vc.

Simone